segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O fim do Mito da Caverna - Parte II


O professor Paulo Freire explicando sobre como se dá o processo do conhecimento diz que há um primeiro momento que é o da produção de um conhecimento novo, de algo novo. O outro momento é aquele em que o conhecimento produzido é conhecido ou percebido” (gnose).

Paulo Freire afirma que neste segundo momento o sujeito cognoscente desenvolve as qualidades requeridas (cognição) na produção do conhecimento: reflexão crítica; curiosidade; questionamento exigente; inquietação; incerteza. Paulo Freire diz que quando isolamos um momento do outro, - ou seja isolamos conhecimento e cognição - o ato do conhecimento se transforma em uma mera transferência de conhecimento.

Estas considerações filosóficas nos apresentam  - sem sermos reducionista - à realidade que temos de enfrentar:  nós, seres humanos, vemos de forma parcial, ou seja, vemos por sombras e só enxergamos um pouco mais, por acréscimo da visão de outras pessoas; a cultura nos restringe em termos de consciência; não adianta conscientizar a verdade - a verdade não existe; mas vale a pena sair da caverna, ou seja ampliar o conhecimento, o foco da visão, conviver, ouvir os outros, aprender de forma colaborativa. E finalmente – sem querer reduzir a uma métrica sem sentido - não conseguimos juntar conhecimento e cognição, isto não é ensinado nas escolas, porque todos estamos ainda aprendendo.

Há em função disto, crise e insegurança, mas finalmente há a possibilidade de encontrar-se a humildade, a simplicidade, o respeito pelo próximo. É a oportunidade de se unir de forma inconsútil, conhecimento e cognição e  repensar o dogmatismo, deixando-o -  de forma delicada - ao longo dos caminhos que formos trilhando, de forma conjunta.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O fim do Mito da Caverna - Parte I


O mito da caverna de Platão nos traz a metáfora sobre a verdade, ou seja o mito afirma que vemos por sombras e que se quisermos conhecer a verdade, teremos que sair da caverna e buscar a luz, ou seja usar a consciência, para enxergar em toda plenitude.

No entanto a própria consciência é parte de um esquema cultural que nos é ensinado desde o nascimento. A tal ponto que Pierre Lévy (Tecnologias da Inteligência, Editora 34, 1998, p. 135) chega a afirmar que:

"Do ponto de vista de uma ciência da mente, a consciência e tudo aquilo diretamente relacionado a ela representam apenas um aspecto menor do pensamento inteligente. A consciência é simplesmente uma das  interfaces importantes entre o organismo e seu meio ambiente, operando em uma escala (média) de observação possível, que não é, necessariamente, a mais importante para abordar os problemas de cognição".

A diferença entre conhecimento e cognição pode ser a chave para este momento. Conhecimento é o que você sabe e cognição é o sentido, a direção que dá ao que sabe. 

Visto por este ângulo, de nada adianta tentarmos desenvolver a consciência para encontrarmos a verdade. A verdade não existe e a consciência opera em uma escala média de observação. Teremos que aprender a relativizar, ou seja aceitar novos ângulos de visão, convivendo de uma forma mais amistosa com o próximo. Teremos de nos preocupar em adquirir conhecimento, mas - fundamentalmente - teremos de aprender a dar sentido ao que estamos aprendendo - direção ao que sabemos -  e isto exigirá que compartilhemos nossas certezas, pois sentido, direção e caminho são construidos de forma participativa.




domingo, 23 de dezembro de 2012

A complexidade do ser - uma releitura de Carl Gustav Jung

Jung com muita delicadeza afirmou que nascemos originais e morremos cópias. Olhando por este ângulo podemos dizer que somos  realmente tábulas rasas e que a sociabilidade vai colorindo a vida em nós. Perfeita esta afirmação de Jung, pois somos seres sociais e aprendemos uns com os outros, um aprendizado colaborativo que nos torna cópias recíprocas. Temos mais dos outros do que gostaríamos de ter, a ponto de William Reich dizer que "João quando fala de José fala mais de João do que de José".

Seguindo esta pista e ampliando o foco de visão, é bom trazer Edgar Morin, que diz que o contrário de uma verdade é outra verdade tão profunda quanto a primeira. Assim, por outro lado,  se observarmos o "ser" pelo ângulo do inatismo podemos afirmar que nascemos cópias e morremos originais.

Segundo o inatismo, há uma herança de talentos, capacidades, habilidades, que foram tecidas na sociabilidade das gerações e nos foram transmitidas na herança biológica e espiritual, fazendo-nos - desde o nascimento - cópias uns dos outros - numa transação que vai ao mil avô. É a nossa existência - num exercício de autoconhecimento - que nos dará  a oportunidade de nos tornarmos originais, se conseguirmos ir além da cultura e neste exercício, conseguirmos dar o  salto às estrelas.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Há uma filosofia escondida em tudo o que você faz

Procure observar a sua rotina diária, como se você pudesse ser você mesmo e um outro que se observa de um ponto mais alto e fora do contexto vivido.

A partir desta referência observe se você está deixando espaço para que algo novo possa surgir de toda a experiência, ou se você já catalogou tudo e referenciou tudo, fechando a possibilidade de que algo novo possa surgir - um novo conhecimento resultado do contexto vivido.

Busque incorporar na sua vida a forma socrática de existir, aprendendo todo dia algo novo, uma sabedoria que vem da vida vivida, como se nada soubesse. E lembre-se de que "....justamente, o que é a fonte da maior verdade pode, ser a fonte do maior erro " (Edgard Morin). Ou seja - por exemplo -  pode ser verdade que algumas pessoas tenham sido injustas com você, mas você não deve mudar a sua trajetória mental e emocional para devolver a elas o que elas merecem. 

Esse seria o seu erro. O melhor é seguir em frente, como se elas não existissem. Elas passarão e você passarinho (Mario Quintana). 


sábado, 1 de dezembro de 2012

Consciência Coletiva - Consciência humana


"O dia em que pararmos de nos preocupar com Consciência Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com Consciência Humana, o racismo desaparece." (Morgan Freeman)

Penso que o Neo Liberalismo estimula o desenvolvimento de visões separatistas - os Direitos Individuais isolados: Consciência judáica; consciência gay; Consciência cristã; Consciência feminina; Consciência negra. Interessa ao Liberalismo que não exista unidade. Interessa que a causa comum fracasse imperceptivelmente. Morgan Freeman já percebeu, porque é um homem inteligente que percebe a importância de se ter uma visão de conjunto do povo pobre, humilhado, que está cada vez mais sem voz, porque não tem nenhuma bandeira, a não ser a do operário sem direito a emblemas.

Na terra somos mais de 6 bilhões de pessoas e excluidos são em torno de 3,5 bilhões, de todas as cores, credos e gêneros. Só uma consciência unificada pode fazer que sejamos irmãos numa causa comum. Mas isto não interessa ao neo Liberalismo que quer dividir para reinar.

Mas tudo isto é Cultura, é linguagem, é a forma como o povo  "percebe" socio-políticamente o quadro conceitual. Nietzche já dizia que Cultura é uma teia que só apanha, o que se deixa apanhar, e eu afirmo que cada um colhe em função do seu próprio nível de percepção.

Violência nas escolas e relação professor aluno

Assisti ontem um debate incrível com um professor da UNB e uma professora da UNESCO, sobre uma Pedagogia para a Democracia. Passo o link Imperdível! 

http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-alexandre-garcia/v/convidados-debatem-violencia-nas-escolas-e-relacao-entre-professor-e-aluno/2266840/

O aspectos federativos do Brasil - um eterno devir

O Brasil é uma República Federativa e a beleza de uma Federação é a unidade na diversidade. Ulisses Guimarães dizia que este conceito no Brasil ainda é um devir (vir a ser) pois não se compreende que no aspecto federativo existam estados e municípios tão ricos, enquanto outros continuem tão pobres.
Digo isto devido à questão dos royalties. Não tivemos pleno acesso aos estudos temáticos que embasaram a legislação e nos soltam em meio a discussões inócuas, aprovações, vetos e passeatas.

É muito triste ver o povo ser arrastado a opiniões que não sejam construídas a partir de seu próprio conhecimento, mas fazer o povo brasileiro de massa de manobra é um hábito daqueles que ocupam posições na Política. Enquanto isso - já dizia o filósofo Tucídides - a causa comum fracassa imperceptivelmente.

domingo, 25 de novembro de 2012

CORA CORALINA - ENSINAR E APRENDER

Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas, 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Só em 1965, aos 75 anos, ela conseguiu realizar o sonho de publicar o primeiro livro.

#CoraCoralina

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. 

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Paulo Freire - Pedagogia da Esperança


Paulo Freire comentando sobre a ideologia do descaso, que considera que o povo escolhe ser inculto, pobre e morar na rua, porque quer.

"Num primeiro momento a luta pela unidade na diversidade que é obviamente uma luta política, implica a 
mobilização e a organização das forças culturais em que o corte de classe não pode ser desprezado, no sentido da ampliação e no do aprofundamento e superação da democracia puramente liberal.

 É preciso assumirmos a radicalidade democrática para a qual não basta reconhecer-se, alegremente, que nesta ou naquela sociedade, o homem e a mulher são de tal modo livres que têm o direito até de morrer de fome 
ou de não ter escola para seus filhos e filhas ou de não ter casa para morar. O direito, portanto, de morar na rua, o de não ter velhice amparada, o de simplesmente não ser. 

É imperioso irmos além de sociedades cujas estruturas geram ideologia de acordo com a qual a responsabilidade pelos fracassos e insucessos que elas mesmas criam pertence aos fracassados enquanto indivíduos e não às estruturas ou à maneira como funcionam essas sociedades. 


Se os garotos negros não aprendem bem o inglês a culpa é deles, de sua incompetência "genética” e não da discriminação a que são submetidos, de raça e de classe, e não do elitismo autoritário com que se pretende impor o "padrão culto”, elitismo, no fundo, irmão gêmeo do desrespeito total ao saber e ao falar populares. 


É o mesmo que ocorre no Brasil, Os meninos e as meninas dos morros e dos córregos não aprendem porque são, de nascença, incompetentes. 


Estes foram alguns dos temas debatidos em Pedagogia da Esperança, por Paulo Freire.


Carl Gustav Jung - Nascemos originais e morremos cópia

A vida em sociedade constitui-se em um paradoxo da informação, neste sentido Jung dizia que todos nós nascemos originais e morremos cópias - mimese mútua eu diria. No aprendizado colaborativo findamos por acabar parecidos uns com os outros. 

Mas  para aprender uns com os outros, uma boa dose de amor é necessária, e com amor o processo de aprendizagem fica mais fácil, pois quando se admira, se respeita alguém, quer-se  absorvê-la, imitá-la, copiá-la. E assim, nesta troca aprende-se a amar verdadeiramente, pois onde o amor cresce, o desejo de poder minimiza-se; ao contrário onde o poder predomina, há falta de amor. "Um é a sombra do outro" diria Carl Gustav Jung. 

Só com amor seremos cópias mais fortes uns dos outros, com mais tinta e poderemos impregnar a vida uns dos outros com novas cores, mais brilhantes.

Ao final de todo esse processo de aprendizado mútuo -  filosoficamente falando -  um dia seremos UM.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Hegel - Entre Resultados e Processos

Hegel dizia que avaliar o processo é tão importante quanto avaliar o resultado, pois resultados são cadáveres que o processo em suas várias trajetórias deixa para trás. No resultado você olha para uma variável que restou ali imóvel em sua in-completude. Mas quando você observa o processo que fez chegar aquele resultado você inclui mais variáveis, mais responsabilidades.

Digo isso ao refletir - no campo ético – sobre o que aconteceu na Rocinha envolvendo abuso de menores. Se olharmos o resultado, condenaremos os pais, as mães, o cabeleireiro e até as meninas. Mas olhando o processo teremos que avaliar as práticas do governo e da sociedade como um todo, e neste ponto nenhum de nós pode deixar de ser chamado para falar de sua contribuição nesse quadro.

Uns dirão, não tenho nada com isso, estes – certamente - abandonaram o barco há muito tempo – este que ficou à deriva. Outros ainda dirão: O que eu poderia ter feito? E o certo é que a esfinge continua esperando de cada um uma resposta e o tempo está passando e temos que juntos descobrir o enigma.


Digo tal qual Saramago:
“O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas deste mundo, não conhece a linha reta. O nosso grande engano - devido ao costume que temos de tudo explicar retrospectivamente – é pensar no destino como uma flecha apontada diretamente a um alvo que, por assim dizer, a estivesse esperando desde o princípio, sem se mover. Ora, pelo contrário, o destino hesita muitíssimo, tem dúvidas, leva tempo a decidir-se”

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Encontro do Amor - O sonho em Cecília Meireles



Só o amor verdadeiro  é capaz de quebrar barreiras, de fazer com que você seja uma pessoa melhor! Utópico ou real - o amor verdadeiro - transforma e te faz uma nova pessoa. É deste amor que Cecília Meireles fala em seu poema.



Meu Sonho (Cecília Meireles)

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.

Mesmo significando este encontro tão fugidio, o amor verdadeiro vale a pena ser vivido, porque é ele que dá a dimensão de quem você é.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Richard Sennett - A cooperação como uma habilidade

Richard Sennett em seu livro "Juntos" fala da Cooperação como uma habilidade" - ou seja é desenvolvida em conjunto, de forma participativa e se incorpora nos indivíduos como um conhecimento tácito, passando a fazer parte do comportamento.

Daí se depreende que uma pessoa cooperativa está inserida em um grupo e que a forma de trabalhar cooperativa se transmite pela convivência. Pode-se dizer que é um meme - uma idéia - um vírus que passa de mente para mente em um grupo e que se torna parte da história do trabalho, da cultura daquele grupo.

Quando não se trabalha junto ou quando o indivíduo está isolado, excluído, corre o risco de perder esta habilidade. Por outro lado, dentro de um grupo se alguém inicia o processo cooperativo isto se transmite de forma tácita - e com o tempo - os indivíduos passam a se interessar pelos afazeres uns dos outros, para aprender e para ajudar.

A cooperação é a habilidade que fundamenta a construção do conhecimento, pois somos animais sociais e como diz Bakhtin "a intersubjetividade é anterior à subjetividade"ou seja, para sermos nós  mesmos (sujeitos), temos que primeiro dialogar, cooperar, observar, copiar, imitar, para só depois nos individualizarmos.



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nos tempos de crise a Linguagem reencontraria a sua utilidade

Matérias hoje em O Globo: Menina escapa de massacre na França; Mulher baleada em PAM por policiais; Versão para Código Penal gera polêmica; Escola de Realengo - após o massacre  - dá aula de superação.  (Em 07/09/2012 - O GLOBO).

Para entender estes acontecimentos, fico com as palavras de Michèle Petit - em "Arte de Ler - ou como resistir à adversidade", que em seu livro  cita Le Clezio, Haï, Paris, 1987.

"A doença, a loucura , os perigos de morte emergem, de tempos em tempos, e eles não são acidentes.  São os sinais da necessidade de se expressar. Os povos indígenas aprenderam a reconhecer estes sinais, sabem que a necessidade da linguagem está nessas crises. (...)
Quando surge um desses sinais ao acaso, no corpo de um homem, de uma criança, ou de uma mulher, é que toda a sociedade está ameaçada. (...)
Tudo o que havíamos refutado - é preciso que fale......"

No filme, Tiros em Columbine" o Diretor entrevista vários artistas e a pergunta era; "O que você diria ao assassino? " .  Um dos entrevistados -  Marilyn Manson - foi quem (estranhamente) deu a resposta mais intrigante. Ele disse:
___O que eu diria? Eu não diria nada, eu deixaria ele falar.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A razão é histórica - Monteiro Lobato - Vinícius e tantos outros


Recentemente Monteiro Lobato foi proibido de ser lido nas escolas. Esta proibição se deu porque algumas poucas pessoas clamaram que Monteiro Lobato era um preconceituoso. O texto que foi demonizado definia Tia Anastácia como uma macaca subindo na árvore. Acredito que, se Monteiro Lobato escrevesse hoje - escreveria de outra forma. A razão - hoje- o faria empregar a palavra de uma forma mais cuidadosa, e sua linguagem seria mais amorosa e mais delicada.Creio que as pessoas esquecem de que a razão é histórica e a Inteligência é coletiva e isto significa que o ser social em cada um de nós tem a voz do nosso tempo. Hegel - filósofo alemão do século XIX - tem razão, quando afirma que a razão se transforma na história.

Por que não foi demonizado Vinícius de Moraes? Com a letra abaixo:

Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza,
Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora,
Qualquer coisa que sente saudade.
Um molejo de amor machucado,
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,
Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor
E para ser só perdão.

Os pais das crianças cantam vinícius. Os jovens cantam Vinícius. Vamos demonizar Vinïcius? Que insistiu em resgatar a mulher Amélia? Talvez hoje ele não escrevesse este poema. Não sei. Mas não vi nenhum movimento para retirar esta música de cartaz. Será que o motivo é que a nossa sociedade é fortemente patriarcal? Misógina? Racismo ou misoginia, que preconceito vai ganhar?

É preciso ter cuidado, pois este movimento de demonizar Monteiro Lobato impediu que se levasse para as salas de aula uma discussão do conceito de razão, historicidade e de se discutir o preconceito como uma marca social, mais que individual> Nossas crianças e jovens merecem mais respeito com sua inteligência. E nossos professores merecem  mais oportunidades de discutir a literatura e linguagem no tempo e no espaço.

E nem falo de Francisco Alves, que nunca foi demonizado e nem estudado, e que fazia toda a sociedade brasileira cantar as suas músicas. Uma delas dizia:
"Enquanto eu tiver forças para falar, olhos para ver hei de ter opinião, não é qualquer mulher que consegue dominar o meu coração. O tipo louro é um tesouro, mas perto do moreno é café pequeno...".

Se você quiser saber o finaL dessa música, faça uma busca na Internet pelas letras de Francisco Alves e veja a letra 216, chamada Tipo Sete.
http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/francisco-alves/1797

A razão é histórica e devemos aproveitar estes exemplos para ensinar e aprender. É preciso ter cuidado porque preconceito leva a preconceito! E onde impera o preconceito, racismo e misoginia florescem.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Ciclo da Aprendizagem - O grupo como matriz do indivíduo


O grupo é a matriz do indivíduo, porque é a partir da socialização que o sujeito desenvolve a sua forma de pensar, num amplo espectro de percepções, que permite ao ser humano ampliar seu ponto de vista sobre as questões. É justamente por este motivo que a atenção do líder tem que se voltar para o grupo, para perceber o que está sendo aprendido na troca de conhecimentos, no diálogo, na conversa.

Se quisermos solucionar problemas temos que voltar a nossa atenção para o grupo e captar como as pessoas se comportam quando interagem. desta forma vamos perceber habilidades, limitações e problemas que não perceberíamos se observássemos a pessoa  individualmente.

Um bom líder volta-se para o grupo e percebe o que não está sendo dito, capta os silêncios e estimula o diálogo - o processo de socialização de experiências pode criar uma lente especial, para dar sentido ao trabalho que está sendo realizado.

O espírito comum no grupo é obra de um líder capaz de ouvir, de dar voz a todos e de fazer com que todos se expressem, com confiança, sem receio de retaliações.

O Professor Paulo Freire fala, com muita propriedade, em ciclo gnosiológico, retratando no ciclo do conhecimento um fenômeno, a partir do qual o indivíduo enxerga o que antes não via. Podem ocorrer dois cenários: o indivíduo enxergou e sabe que é melhor ficar quieto, para não se indispor e se prejudicar ou o indivíduo enxerga e aprende com o grupo e desenvolve melhor o seu trabalho. Um líder tem obrigação de perceber qual dos dois cenários manifesta-se a partir de sua orientação pessoal. Nada acontece por acaso - o líder tem que se comprometer com o que acontece a sua volta, tem que se comprometer e dar sentido ao trabalho de cada um que trabalha sob sua direção.

Michel Serres em seu livro “Filosofia Mestiça” descreve o processo de aprendizado como a travessia de um grande rio no qual a transformação vai ocorrendo nas descobertas e nos enfrentamentos da busca pela outra margem. Quando nasce o espírito comum, o  grupo se fortalece e cada um recebe esta força. A questão aqui reside em saber: este espírito comum - ira, descaso, silêncio, medo, violência - surgiu como resposta à exclusão, às injustiças? Ou se ele surgiu como resposta a um esforço ético coletivo - diálogo, solidariedade, compreensão, bem comum - para viver o sentido de uma vida plena, de um trabalho repleto de significado?

O que impera no grupo:  autoritarismo ou democracia? As pessoas falam ou têm medo? As pessoas se expressam e contribuem com confiança? Liderança e democracia estão inextricavelmente conectados, provavelmente porque tanto um quanto o outro necessita do diálogo para crescer. 

Um líder autoritário enfraquece o Eu individual e o Espirito comum tem sua força moral fragilizada - neste caso o coletivo é pobre e volta-se para interesses pessoais -  o crescimento moral não acontece e como retratou o filósofo Tucídides ao escrever sobre a Guerra do Peloponeso - o bem comum fracassa imperceptivelmente.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Da Capo - Conhecimento inato e adquirido


Da capo significa de volta ao início - significa repetir

As tradições filosóficas e místicas ensinam a desenvolver a capacidade de se ir além do conhecimento que se tem, ir além da força moral que se possui, estimulando a construir um caminho novo sobre o antigo caminho  já trilhado.
 É o Ponto de Mutação. E neste retorno sobre os próprios passos, qual conhecimento deve ser levado na bagagem? Inato ou adquirido?
O que a tradição ensina é que quando estamos em situações nas quais não sabemos como agir, o que falar, o que fazer devemos acionar este espectro de forças acumuladas que desconhecemos - mas que a fé e a razão nos ajudam a perceber –  chaves muito importantes e que devem ser estimuladas e vivenciadas  ao se  meditar sobre as repetições de padrões na nossa vida. 

Esta repetição de padrões dá-se na experiência do dia a dia - é o lado empírico da vida. Mas cada um de nós tem acesso a um conjunto de forças pessoais e outras tantas atávicas ou instintuais - mas que devemos acessar se quisermos mudar o cenário de nossa v ida.
o Mito de Sísifo é um Da capo. As experiências repetidas também o são. A possibilidade de refazer caminhos também. Cada dia que começa é uma nova promessa ...Da Capo! E que  se leve na mochila as duas maneiras de empregar nossas forças:  o conhecimento inato e o conhecimento adquirido.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Somos clinámem uns dos outros? Epicuro e o conceito de sociedade como clinámen do indivíduo


Clinâmen é um conceito central na doutrina atomista de Epicuro (filósofo pré-socrático) e simboliza o desvio imprevisível de átomos, cuja representação é a queda aleatória dos átomos, que no choque entre si, mudam suas trajetórias.  O nome foi aplicado por Lucrécio,  poeta e filósofo latino que viveu no século I a.C -  ao estudar a doutrina atomista de Epicuro. De acordo com Lucrécio, o desvio imprevisível ocorre "em nenhum lugar ou tempo fixo": Significa  que "quando átomos se movem (..) no espaço em um tempo completamente incerto e em lugares incertos", (...) a natureza se reproduz. Este desvio imprevisível e o choque mudam trajetórias e simbolizam uma mudança de mentalidade - uma nova visão - é isto que se chama clinámen. O Clinámen simboliza o sol surgindo no horizonte ou o seu oposto - o imenso espaço vazio sem luz e sem cor. Passar por este fenômeno não é simples e é necessário resistir  - é preciso contar com algo que não vemos - a espiritualidade - e aprendermos a conjugar razão e fé.

Na vida em sociedade, de uma forma às vezes imprevisível, nos conhecemos, nos relacionamos, e às vezes algo ou alguém nos faz mudar a trajetória. A sociedade é clinámen do indivíduo. Nossa história é uma história de conjunto. O mundo físico nos mostra cadeiras, salas, pessoas, paredes, mas no mundo sub-atômico o cenário se apresenta em um efeito de prótons e elétrons, numa teia conectada - um fio de Ariadne que a tudo conecta.

Não importa a partir de qual conhecimento você tece suas considerações:  Se você usa a espiritualidade existem milhares de exemplos conclamando você a uma percepção de conjunto. Mas se você é um cientista, certamente sabe que a sociedade está dentro do indivíduo como um fato social (Durkheim) e que o indivíduo está em sociedade, transformando, mudando as pedras de lugar, mudando o desenho.


E seja pela espiritualidade ou pela ciência - recebemos de volta o que entregamos à natureza. Gurdyeff, um filósofo russo dizia: "Se você ajuda os outros, você será ajudado. Talvez amanhã, talvez em cem anos, mas você será ajudado. A Natureza precisa saldar a sua dívida... É uma lei matemática e toda a vida é matemática".


Na  metáfora de o poema "O Relógio de Acaz" há uma representação dessa clinámen, dessa conectividade, desta responsabilidade conjunta...desse retorno.

O Relógio de Acaz

A verdade meu amigo não se espante,
É uma obra de Ariadne, em tênue fio. 
Toda Vida, todo tudo neste mundo
Está coeso, num mistério tão profundo,
Que entender este desenho é um desafio.

Quem tece o fio de Ariadne que se esconde,
E serpenteia para além de nem sei onde?
Se o que eu faço ou não faço, é uma engrenagem,
Que arrasta a consciência em torvelinho,
Quem cria a tudo num roteiro mais profundo,
Que a tudo une, em aparente desalinho?

Transmutar a engrenagem com ciência,
É perceber que entre o caos e a coerência,
A vida cria nossa vida deste fio.
Então vale a pena caminhar com mais cuidado,
Ao conceber um novo filme desta história.
E que os anjos nos concedam tal vitória!

E um dia....
Frente a frente à Grande Luz,
Guardadora dos portais do paraíso,
Cada um vai contar a sua história,
Computar aprendido e ensinado
E retornar, apagando da memória,
Retrocedendo os dez graus já declinados!
(Regina Moraes - 2006)

domingo, 15 de julho de 2012

Comentando meus Demônios de Morin - Uma dialógica permanente entre fé e ceticismo - misticismo e racionalidade

As contradições fazem um trabalho progressivo, tanto na ordem do intelectual, como na dimensão do espiritual e isto demarca a forma de ser - e falo como Morin: "o pensamento que vive é aquele que se mantém à temperatura de sua própria destruição"  E como Morin, não acredito e nem procuro mais por uma ética fundada em uma filosofia totalizante - essa solução está abolida da minha forma de pensar. Mas pago o preço do antagonismo pelas altas temperaturas a que submeto tudo o que penso.

A ética não pode ser uma ilha que me afaste do outro, devido a uma assepsia moral. Daí é que a ética se deslocando da cultura assume uma forma mais fluida. É o que Morin chama de auto-ética, que se funda apenas nela mesma, na fé no amor, na solidariedade, na compaixão, no perdão e na redenção. Mas Morin fala exclusivamente na redenção do indivíduo, e diz que não mais acredita em redenção coletiva.

Diferente de Morin, minha auto-ética se funda na crença da redenção coletiva, pois não acredito em redenção individual sem a presença imperceptível de um risoma coletivo, que marca no ser individual "o sou porque somos". 

Abraço - como Morin -  a ética da compreensão, mas parto de uma contradição individual / coletiva que me consome e lembro de duas antigas histórias: 

a) A dos monges que seguiram por um caminho individual para chegar ao Paraíso. Caminharam muito e cansados da jornada fatigante chegaram às portas onde querubins se postavam como guardiões e diziam a todos que chegavam: "Vieste sozinho? Volta e traz contigo o teu povo.

b) A outra história é uma antiga parábola que fala de um assassino que estava sendo julgado pelos seus crimes e do trabalho de dois anjos de D'us, que a mando do Rei dos reis tinham como missão - cada um deles - acusar e defender o homem. E ao final do julgamento, o lado para o qual pendesse a balança mostraria o resultado de todo o processo.
Iniciado o juri, o anjo acusador colocou na balança todos os crimes hediondos deste homem e a balança pendeu até o chão. O anjo defensor então, colocou na balança uma ação de salvamento que o assassino havia empreendido, ele colocou a moça que o assassino salvou num dia, quando a carruagem dela despencou no abismo, devido à grande chuva. Com este ato do anjo defensor, a  balança pouco se moveu. O anjo então - em uma nova estratégia de defesa - colocou na balança, a carruagem e os cavalos que a puxavam e a balança cedeu bastante, mas guardava ainda muita diferença. Então o anjo da defesa numa atitude final,  colocou no prato da balança a lama da estrada por onde homem passou e neste momento a balança se equilibrou. A mais alta Espiritualidade então,  deu o perdão ao espírito do homem assassino, porque percebeu no ser daquele homem a marca profunda do "sou porque somos' - e seria preciso então, condenar uma sociedade inteira.

Na dialógica entre razão e espírito; entre ceticismo e fé, minha auto-ética  me leva a afirmar que só uma auto-ética que traz  o outro em sua lógica, uma ética que perceba a sociedade no indivíduo e o indivíduo em sociedade,  só esta ética pode fundar as ações para uma condenação / redenção individual  e coletiva.


(livro: Edgar Morin-  Meus Demônios - Bertrand Russel, 2010).

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Caminante no hay camino, camino se hace al andar



Nesta etapa do capitalismo, o paradigma que sustenta a pós-modernidade fala em destino individual, convida o ser humano a ser empreendedor de si mesmo, a ser competitivo, a buscar desenvolver suas habilidades de acordo com as tecnologias do Mercado. Ele não convida a desenvolver suas capacidades e habilidades morais. A orientação é  tecer uma Rede de contatos e se integrar a ela. Mas tudo muito superficial, pois o destino é individual.

Há  uma discrepância nisto tudo, pois a mente é social – não há destino individual. Não é verdade. No entanto o Capitalismo avançado precisa de novos emblemas e não quer perder. E o que ele diz é o seguinte:

“Olha, é você quem não consegue se empregar, sabe porque? Porque não é competitivo; porque não aprendeu a tecnologia XYZ; porque não fala 3 línguas. A culpa é sua, de estar se excluindo deste Mercado. Seja competitivo, desenvolva as suas capacidades intelectuais;crie a sua Rede de contatos;  aprenda as novas ferramentas. Torne-se um empreendedor de si mesmo”

Tem alguma coisa errada nesse discurso: primeiro ele quer ser hegemônico; segundo não considera a biologia da mente, pois somos animais sociais e o nosso aprendizado é colaborativo - nosso destino é coletivo, o que convoca a uma moral voltada para o humanismo, a solidariedade, o respeito mútuo e vida conjunta.

Precisamos nos desenvolver intelectualmente, dominar sim as tecnologias do nosso tempo, mas durante todo o processo de apropriação tecnológica,  precisamos repensar qual é o nosso papel  nesse tipo de  sociedade e não podemos fazer isso como simples usuários; temos que ir além  e nos projetarmos como sujeitos que se apropriam do seu tempo  para produzir novas significações, um novo roteiro, um compasso novo, que nos seja próprio – criado na inter-subjetividade. Qual o caminho que devemos seguir então? Como desenvolver as máximas habilidades e competências éticas e morais – junto com as habilidades técnicas?

Parafraseando Edgar Morin[1], digo que o que constitui a caminhada são os ciclos de travessia dispersão/concentração e o que traça o caminho é a caminhada: “Caminante no hay camino, camino se hace  al andar” [2] .


[1] Edgar Morin, Meus demônios, Bertrand Russel, página 187,  2010
[2] Antônio Machado

sábado, 23 de junho de 2012

As dores de Géia no parto do Humano e do Rei


Do alto de Sião em mim mesmo,
Lá onde as escadas permanecem vivas,
Eu vejo a vida surgindo, A Noiva...
A procurada...
Cidade-luz conforme prometida,
Pronta para ser colhida e pronta para ser amada,
Sem fronteiras,sem barreiras,
UNA, verdadeira,
Mente Perfeita!

E no mistério da comunicação dos idiomas,
Um anjo se aproxima e enuncia o tempo oportuno,
Mas o gesto ainda se perde no eco do silêncio dos corações mudos.

Então eu olho, perscruto, rebusco e me assusto,
E pressinto chegar a derradeira hora:
Corro ao centro da luz e caio ao chão, presa às correntes,
E beijo o pó da minha terra,
E meus pés se enlaçam no aqui e agora,
Em meio ao letárgico sono, à fome e à miséria,
Em meio à guerra
Em meio ao profundo caos em que jaz meu  coração em meio às gentes..

Então eu subo, ali onde as escadas permanecem vivas,
E verdadeiras,
Ao alto de Sião, monte em mim mesmo.

E do mais profundo abismo de minh´alma permanente,
Eu choro a vida e a morte que mistura os bons e os maus
Na seiva-luz desta única videira.
Ali onde o anjo em sua carruagem –
Merkabah dourada que reluz,
Anuncia o nascimento do Messias em meio ao caos,
E cruza o céu – a Merkabah – de oriente a ocidente,
Confirmando o acordo permanente em miríades de luz!

E entre um vazio vago na alma e a plenitude do SER total,
Nas dobras da verdade, eu percebo este reino abissal.
E me pergunto e me confundo:
D'us mora aqui neste mundo?

Então eu acordo do sono letárgico, que traga,
Esgota e embrutece
E surjo Alma plena e verdadeira, a Esposa
Amada e procurada,
A Malkhut, a Noiva,
E visto o manto nupcial que a vida com mãos ocultas ainda tece.

D'us mora aqui? Pergunto às três Moiras de dentro de mim:
A violência, a fome, a miséria sem fim.
E as guerras dizem que não. Os Horrores!
Mas o amor, a esperança, o sol e as flores,
A cachoeira, o oceano, a terra, o Sol e a Lua
Dizem que sim,
De dento de mim!

Eu olho a tudo num silêncio mudo,
E engulo num sopro a Vida: o bom e o mau,
E gesto no meu ventre novamente Tudo!

E num grito de dor, ressurjo do nada,
Refazendo o acordo.
Ergo a pedra e confirmo a Noiva,
Que dia após dia vai parindo um  Novo Humano.
Na dor, na chaga antiga,
Refazendo atomicamente a velha alma ferida,
Tornando Rei  a  parte  humana,  mais divina,  deste povo!

                                                                    (Regina Moraes)

terça-feira, 12 de junho de 2012

O Mundo Felizmente Perdido

A verdade, se ela existe, ver-se-á que só consiste na procura da verdade. Porque a vida é só metade (Fernando Pessoa).


Estas palavras de Fernando Pessoa destoam da metáfora contida no Mito da Caverna, de Platão. A Alegoria da caverna é parte do livro “A República” onde Platão discute sobre teoria do conhecimento,  na formação do Estado ideal.O filósofo ponderava que a Verdade poderia ser encontrada por aquele que  ousasse sair da caverna. 


Hoje, no século XXI, século da Pós-modernidade, sabemos que estamos lidando com uma era de incertezas, na qual   não podemos contar com a busca da Verdade para encontramos as saídas pra os desafios que se apresentam: desemprego, pobreza, alienação, consumismo...A verdade não existe e nem podemos construi-la, pois as peças do quebra-cabeça estão espalhadas aqui, ali e acolá, num tempo intemporal.


Richard Rorty fala do mundo felizmente perdido e retrata a perda do mundo fundado na metáfora platônica da caverna, onde não há mais a certeza e a confiança na representação exata da realidade. 


Hoje, na Pós-modernidade, estamos pisando nos cacos dos escombros das grandes narrativas, que não mais nos envolvem: Globalização, Trabalho, Nação, Individualidade. Os novos paradigmas apregoam a importância de se construir um novo individualismo. O Mundo Pós-moderno nos apresenta o desafio de reinterpretarmos os nossos conceitos,  de Eu, família, Comunidade, Estado, Trabalho. Será possível, em meio a tudo isto criarmos de forma conjunta uma nova Hermenêutica? Construirmos uma narrativa aberta que como um símbolo se abra a novas significações, a novas interpretações, que deflagre novas percepções? De forma progressiva? Com a participação de todos, incluindo-se aí as gerações futuras?


Se a verdade não existe, o Eu se desvanece em suas crenças, o mundo que foi forjado perde-se e o conceito  do "EU e o OUTRO"  tem que ser repensado. Pode ser um bom augúrio na gênese de uma teoria do conhecimento,  que nos comprometa a todos com a formação de um Estado ideal, com uma nova heterogênese do individualismo, onde o Eu e o Outro sejam concebidos de forma federativa.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Conhecimento inato ou adquirido?

A maioria dos filósofos já se debruçou sobre esta discussão: O conhecimento vem de nossas reflexões e buscas? Ou o adquirimos através da experiência?


Tanto Sócrates como Platão eram inatistas. Sócrates inclusive criou uma metodologia de aprendizagem  chamada " maiêutica", que significa parto . E o jeito socrático de ensinar e aprender era muito sensível, pois ele saia com seus discípulos caminhando pelas ruas e diante do espetáculo da vida, perguntava a cada um, buscando partejar a consciência, o que era cada coisa que se via.


Platão apresenta sua Teoria do conhecimento no Mito da Caverna e aponta que o ser humano pode encontrar a verdade, através da consciência de si mesmo, pois para ele o conhecimento era inato


Inúmeros filósofos discordaram destas idéias e trouxeram os conceitos do conhecimento como adquirido através da experiência - um conhecimento empírico, adquirido no viver, no experimentar, no medir. John Locke, empirista,  reconhece no entanto que há umas faculdades inatas, como o raciocínio matemático. 


Hoje, como sempre, nos perguntamos, à moda inatista: quem somos nós? O que é o ser humano? O que é a vida? E meditamos, refletimos e as respostas que obtemos no mais profundo de nós mesmos, nos convidam a abrir os olhos para observar o contexto à volta,  buscando as respostas para o nosso papel na vida, alternativas de solução que só  surgem do embricamento entre os dois tipos de conhecimento. Ou seja temos que nos permitir transitar pelas misteriosas estradas do conhecimento.


Nossa razão mais alta nos orienta hoje a integrar os dois tipos de conhecimento: o inato e o empírico ou adquirido, para realizarmos o mundo cujo modelo touxemos dentro de nós, desde o início dos tempos (inatismo). No entanto o modelo realizado ainda é um rascunho - e é primitivo - deixando perceber que temos que imprimir mãos à obra, para darmos ao modelo as tintas necessárias ao acabamento da obra (empirismo).


Que tenhamos sucessos e saibamos transitar por esses caminhos interno e externo. E como disse Carlos Drumond de Andrade: Vamos juntos, não nos separemos muito!


Parte do poema de Carlos Drumond está abaixo. Suas palavras cristalinas e sensíveis remetem ao conhecimento empírico.


(...) Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

(...) O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.




quinta-feira, 12 de abril de 2012

Contando histórias - à moda dos antigos Mestres gnósticos


O SAPATEIRO INTELIGENTE



            O Mestre havia combinado com os alunos que a cada dia  escolheriam o local onde estudariam, pois ele dizia que todos os lugares e ocasiões são espaços de aprender. Naquele dia era noite e chovia bastante e os discípulos tardavam em chegar, pois moravam distante e o local escolhido naquela noite  ficava em um lugar de difícil acesso.
            A chuva caía forte e as condições ainda eram precárias, quando todos chegaram à gruta. Sem que houvessem combinado quem teria a palavra aquele dia, Nicolau, o jovem turco aproximou-se da fogueira que haviam construído  e iniciou o diálogo:

  ___A que se assemelha o trabalho e a oração? E contou uma estória.  

Era uma vez um homem que sempre ia buscar água na fonte com um cântaro e  que era um sapateiro. Quando voltava com o seu cântaro cheio de água, ia para oficina e fazia lindos sapatos, de todos os tipos e tamanhos. Seus sapatos eram conhecidos em muitos lugares porque eram feitos com muita perfeição. Até para vendê-los ele procurava fazer algo diferente. Sempre que um modelo novo era reproduzido, ele pegava um par, as vezes dois, dependia da quantidade produzida,  e  ao invés de ir direto par casa, ia pelas redondezas da cidade olhando a tudo e deixava os sapatos  em algum lugar do caminho.Um dia os aprendizes da fábrica ficaram curiosos e o seguiram e voltaram sem entender, pois ele deixou os sapatos na estrada  e voltou para casa.      

No dia seguinte perguntaram a ele porque fazia daquela forma e ele respondeu:

____É  que faço meu trabalho de sapateiro com amor  e o amor é um caminho, que precisa  ser compartilhado por muitos. Então inventei esta forma, e sempre que faço um sapato, eu penso em quem paga para usar e no sapato que vou dar, para que digam do fundo do coração:

_____Abençoado  o sapateiro que fez estes sapatos!  Assim  fazendo acrescento valor ao meu trabalho, tenho testemunhas do que faço  e só então eu me dirijo ao templo e apresento os meus pedidos  a Deus.


            Quando Nicolau - o turco - terminou a história, a chuva também tinha passado e todos se levantaram e saíram conversando. Um a um foram saindo da gruta, levando consigo  a idéia do trabalho inteligente. Só o Mestre ficou e em silêncio. Olhou a gruta, o chão e o teto, abstraiu o céu e as estrelas e viu a gruta em cada oficina e a oficina em cada templo. Fechou os olhos para cochilar um pouco, um cochilo rápido, porque ele ainda tinha muito que fazer e ainda não havia chegado o sétimo dia. 
(escrito  por Regina Moraes - para o Shemá - Filosofia Gnóstica)

terça-feira, 27 de março de 2012

Francis Bacon e as falsas noções que adquirimos no processo de conhecimento.


Francis Bacon (século XVI / XVII - 1561 -  1626) formalizou o Método Dedutivo - cujo raciocínio parte da observação de um universo mais geral para chegar a uma solução para um contexto particular. Fiquei avaliando como usamos este método dedutivo no nosso dia a dia. Um exemplo é a pesquisa bibliográfica, a partir da qual consultando vários livros, pesquisando sites, conseguimos finalmente formular um problema, definir uma doença. Outro exemplo de dedução muito comum: o processo eleitoral - no qual avaliamos vários candidatos de vários partidos e escolhemos, segundo nossa relevância, aquele que responde melhor ao que entendemos como um político ético e empreendedor. 


O Método Dedutivo leva a pessoa a observar e raciocinar a partir de um universo mais amplo conhecido, para chegar a um saber particular desconhecido. No entanto a conclusão não pode exceder as premissas e a interpretação vale mais do que a experimentação. Por este motivo considero o processo eleitoral um bom exemplo de raciocínio dedutivo, porque ouvindo os candidatos ou lendo sobre eles, ou mesmo reunindo-se com eles,  observando um amplo espectro de possibilidades e características, a pessoa adquire um conhecimento  que surge da interação que estabelece com cada um dos candidatos. Um saber válido, inédito porque único, que não está disponível, que não pode ser comprado, que é novo e que surge a partir da interação da pessoa com os candidatos e da iteração consigo mesmo, pelo emprego  de operações de raciocínio a partir das quais o que aprendeu será a base de dados (bagagem) que usará no aprendizado, de forma recursiva.


Francis Bacon sistematizou também o que ele chamou de ídolos para analisar as falsas noções que se revelam responsáveis pelos erros cometidos pela ciência ou pelos homens. Os ídolos foram classificados em quatro grupos:
1) Ídolos da tribo. Ocorrem por conta das deficiências inerentes à natureza humana. Estes ídolos podem manifestar-se porque somos parte de um processo evolutivo permanente e progressivo.
2) Ídolos da caverna. Resultam das limitações do indivíduo - uma alusão à Platão em mito da caverna. Ou seja enxergamos por sombras - conchas na praia -  enquanto a realidade - o oceano profundo do conhecimento - permanece insondável diante de nós.
3) Ídolos do mercado. Estes estão vinculados à linguagem, à comunicação.  Para compreender os ídolos do mercado valho-me de uma experiência que vivi com minha filha e sua amiguinha quando tinham cinco anos. Ofereci a cada uma delas uma fruta e logo depois ofereci outra. A minha filha respondeu:  "Esta basta". Enquanto que a amiguinha respondeu: "Esta está boa, tia". Para minha filha era uma soma e para a outra menina era uma substituição. Ora em uma comunicação tão simples onde eu era o emissor e haviam dois receptores, eu percebi  como cada uma possuia noções diferentes. Entre o emissor e o receptor existe um mundo de experiência, bagagens, noções que nos fazem cada um seres ímpares - portadores de "dialetos". Eu afirmo: É preciso cuidado com a comunicação, precisamos conhecer nossos ídolos para aprendermos a lidar conosco mesmo e com os outros e implementarmos uma comunicação laica.
4) Idolos do teatro. Decorrem das falsas noções filosóficas, políticas e religiosas.

Percebo o fosso existente entre nós e nós mesmos. Pois somos o que fomos, o que somos e o que seremos. Fico com a noção de que precisamos trabalhar melhor os nossos ídolos, para que possamos aprender a viver, a amar, e incluindo-se aí aprender como  escolher melhor os nossos representantes políticos.


Em tudo na vida, a todo instante é preciso aprender a lidar com as falsas noções que adquirimos no processo de conhecimento, ou seja temos que rever o nosso processo de aprendizado - como aprendemos? Jacques Delors em seu Relatório da Unesco sobre a Educação para o século XXI, coloca como um dos pilares da educação "Aprender a aprender" - certamente uma das importantes tarefas que temos à frente. O Relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir (UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).  

sexta-feira, 2 de março de 2012

Um pouco de Gurdjieff - ocultista e filósofo russo

Gurdjieff foi um Mestre místico, filósofo, escritor e compositor russo.  Nasceu na Armênia em 13 de janeiro de 1872 e morreu na França em 29 de outubro de `1849.



1 – Faça pausas de 10 minutos a cada 2 horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em você, analisando suas atitudes.
2 – Aprenda a dizer NÃO sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer AGRADAR a todos é um desgaste enorme.
3 – Planeje seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de você.
4 – Concentre-se em apenas uma tarefa de cada vez. Por mais ágeis que sejam seus quadros mentais, você se exaure.
5 – Esqueça, de uma vez por todas, que você é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem sua atuação, a não ser você mesmo.
6 – Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos.
7 – Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8 – Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine-os, porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9 – Tente descobrir o prazer de fatos quotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que é o máximo a se conseguir na vida.
10 – Evite se envolver na ansiedade e tensão alheias. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a ação.
11- Família não é você, está junto de você, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12- Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso, a trava do movimento e da busca.
13 – É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de 100 quilômetros. Não adianta estar mais longe. Tente Encontrar um ponto de força dentro de você.
14 – Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância sutil de uma saída discreta.
15 – Não queira saber se falaram mal de você e nem se atormente com esse lixo mental; escute o que falaram bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16 – Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é ótimo…para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17 – A rigidez é boa na pedra, não no ser humano. A ele cabe firmeza.
18 – Uma hora de intenso prazer, substitui com folga 3 horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19 – Não abandone suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20 – Entenda de uma vez por todas, definitivamente e consultivamente: você é o que você faz

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A vida é como uma clinámen - Viver não é preciso

Fernando Pessoa afirma que "Navegar é preciso, viver não é preciso".


Realmente viver não é algo preciso, pois a cada passo que damos, cada ação que empreendemos, cada encontro que temos, muda o que chamamos de destino. 


Epicuro, um filósofo pré-socrático, usa o termo clinámen para indicar as mudanças de trajetórias dos átomos quando se encontram no espaço e se chocam. Podemos dizer que algo semelhante acontece com os humanos, cada pessoa influencia outra, numa rede interminável, que se iniciou em algum ponto do passado e cujos os nós são tecidos de uma forma desconhecida e intrigante, num jogo de experiências.


Viver tem muito de inesperado, nada é preciso, no entanto é fundamental preparar-se para a vida, reunindo em sua mochila o que você vai precisar para o caminho que quer empreender. Ou seja viver não é preciso, mas você precisa se preparar.  É diferente de navegar, pois no mar, o marinheiro com os instrumentos, certamente vai chegar às novas terras, cujo mapa tem nas mãos.


Então: Para navegar é necessário precisão, mas para viver é necessário fé, intuição  e planejamento e, segundo Fernando Pessoa, é necessário "a santa conversação com o anjo da guarda". 





terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma entrevista com 4 personagens - em um tempo intemporal


E à mesa onde estavam Clarice e Fernando chegaram mais dois convidados. E eu continuei a entrevista, agora com meus quatro personagens:

Eu: Como vocês se descreveriam hoje?

Clarice Lispector: Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. 
Sou irritável e firo facilmente. 
Também sou muito calmo e perdôo logo. 
Não esqueço nunca. 
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.

Fernando Pessoa: Eu sou uma tela em branco e oculta mão colora a vida em mim!

Carlos Drumond de Andrade: Quando nasci, um anjo torto, 
desses que vivem na sombra  disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 

Adélia Prado:  Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.  Mulher é desdobrável. Eu sou!