quarta-feira, 25 de julho de 2012

Somos clinámem uns dos outros? Epicuro e o conceito de sociedade como clinámen do indivíduo


Clinâmen é um conceito central na doutrina atomista de Epicuro (filósofo pré-socrático) e simboliza o desvio imprevisível de átomos, cuja representação é a queda aleatória dos átomos, que no choque entre si, mudam suas trajetórias.  O nome foi aplicado por Lucrécio,  poeta e filósofo latino que viveu no século I a.C -  ao estudar a doutrina atomista de Epicuro. De acordo com Lucrécio, o desvio imprevisível ocorre "em nenhum lugar ou tempo fixo": Significa  que "quando átomos se movem (..) no espaço em um tempo completamente incerto e em lugares incertos", (...) a natureza se reproduz. Este desvio imprevisível e o choque mudam trajetórias e simbolizam uma mudança de mentalidade - uma nova visão - é isto que se chama clinámen. O Clinámen simboliza o sol surgindo no horizonte ou o seu oposto - o imenso espaço vazio sem luz e sem cor. Passar por este fenômeno não é simples e é necessário resistir  - é preciso contar com algo que não vemos - a espiritualidade - e aprendermos a conjugar razão e fé.

Na vida em sociedade, de uma forma às vezes imprevisível, nos conhecemos, nos relacionamos, e às vezes algo ou alguém nos faz mudar a trajetória. A sociedade é clinámen do indivíduo. Nossa história é uma história de conjunto. O mundo físico nos mostra cadeiras, salas, pessoas, paredes, mas no mundo sub-atômico o cenário se apresenta em um efeito de prótons e elétrons, numa teia conectada - um fio de Ariadne que a tudo conecta.

Não importa a partir de qual conhecimento você tece suas considerações:  Se você usa a espiritualidade existem milhares de exemplos conclamando você a uma percepção de conjunto. Mas se você é um cientista, certamente sabe que a sociedade está dentro do indivíduo como um fato social (Durkheim) e que o indivíduo está em sociedade, transformando, mudando as pedras de lugar, mudando o desenho.


E seja pela espiritualidade ou pela ciência - recebemos de volta o que entregamos à natureza. Gurdyeff, um filósofo russo dizia: "Se você ajuda os outros, você será ajudado. Talvez amanhã, talvez em cem anos, mas você será ajudado. A Natureza precisa saldar a sua dívida... É uma lei matemática e toda a vida é matemática".


Na  metáfora de o poema "O Relógio de Acaz" há uma representação dessa clinámen, dessa conectividade, desta responsabilidade conjunta...desse retorno.

O Relógio de Acaz

A verdade meu amigo não se espante,
É uma obra de Ariadne, em tênue fio. 
Toda Vida, todo tudo neste mundo
Está coeso, num mistério tão profundo,
Que entender este desenho é um desafio.

Quem tece o fio de Ariadne que se esconde,
E serpenteia para além de nem sei onde?
Se o que eu faço ou não faço, é uma engrenagem,
Que arrasta a consciência em torvelinho,
Quem cria a tudo num roteiro mais profundo,
Que a tudo une, em aparente desalinho?

Transmutar a engrenagem com ciência,
É perceber que entre o caos e a coerência,
A vida cria nossa vida deste fio.
Então vale a pena caminhar com mais cuidado,
Ao conceber um novo filme desta história.
E que os anjos nos concedam tal vitória!

E um dia....
Frente a frente à Grande Luz,
Guardadora dos portais do paraíso,
Cada um vai contar a sua história,
Computar aprendido e ensinado
E retornar, apagando da memória,
Retrocedendo os dez graus já declinados!
(Regina Moraes - 2006)